A minha pequena tem uma faceta muito dramática. Já o tinha dito aqui. Normalmente essa veia aparece o fim do dia, no regresso a casa, quando ela está mais cansada. Por norma sou eu que estou com ela. Quando o pai apanha esses dramas fica desesperado, super deprimido sem saber o que fazer. Ela chora, aquilo vem-lhe da alma e ele não consegue separar o que é o drama causado pelo cansaço. Queixa-se dos amiguinhos, exagera algumas situações mas completamente convicta que tem toda a razão e o mundo é injusto com ela.
Ontem foi mais um dia desses. A maior parte do caminho eu tive de conter o riso* porque ela quando está assim diz coisas e usa expressões tão engraçadas que para mim são pérolas. Ontem o episódio foi avançando, que a amiga diz que já não vai ser mais amiga dela, que a obriga a brincar e que ela já cometeu um grande erro ao perdoa-la tantas vezes
(esta foi uma das que me fez rir). Que se ela é amiga verdadeira não pode dizer essas coisas porque 'ela fica com o coração partido'. Esta não me fez rir, trouxe-me as lágrimas aos olhos… depois continuou, lembrou-se do avô, de como tinha saudades dele, das coisas que fazia com ele, da culpa que sente por às vezes não gostar dele e querer antes ir com a avó, de não perceber que ele ia morrer… bem, foi desolador. Confortei o melhor que soube, dei espaço para chorar, colinho (estacionamos e ficámos no carro a conversar), contei-lhe do que me lembro do meu avô que morreu quando eu tinha a idade dela, de como ficam as boas memórias e que de cada vez que pensamos neles eles estão presentes na nossa vida.
Fomos para casa e fui tentando tirá-la daquele estado. Só uma história sobre o irmão a conseguiu animar. Logo de seguida ele chegou e as coisas voltaram ao normal. Não é fácil ver os nossos filhos a sofrer mas às vezes faz parte. Ainda não fez um ano desde a morte do avô e ela raramente fala sobre isso. E eu sei que está lá. Tento sempre que ela perceba que é uma coisa triste mas natural e que devemos falar sobre isso sempre que precisemos.
* Nunca desvalorizo os desabafos dela nem a deixo perceber quando as coisas me fazem rir. Não estou a rir do que a faz ficar triste, fico impressionada com a forma como exterioriza algumas coisas de forma tão emocional e coerente. Se todos os adultos fossem assim as coisas eram mais simples.